No domingo passado li uma crônica da Danuza Leão na Folha de São Paulo, na qual ela dizia o quanto era medíocre em relação a sua empregada doméstica e tudo o mais. Por exemplo, ter coragem de descontar os R$100,00 que a moça havia lhe pedido adiantado e nem se incomodar em gastar a mesma quantia (ou quem sabe até mais) em apenas um jantar japonês.
Hoje acabo de ler o texto da minha amiga Ana Cristina no blog dela , no qual ela também descreve suas insatisfações em relação a dita “Saúde Pública”. Nele ela também conta três exemplos de vida, tão simples e tão sofrida, de um povo que sofre e faz de tudo para viver.
Em meio a esses dois textos, e também ha um turbilhão de emoções que tem me feito pensar muito a respeito do meu próximo , vou tentar expor aqui algumas de minhas angústias sobre tais fatos.
Vou começar pegando carona no desabafo da Ana em relação a seu trabalho. Assim como Ana, também trabalho na Saúde Pública. Atualmente essa é minha única fonte de renda oficial, pois, como sabem sou artesão e isso é outra história.
Na verdade trabalho hoje em apenas um local, no qual vou por 5 períodos. Lá procuro fazer meu trabalho de uma forma digna, embora cada um dos pacientes que por lá passam mereçam, no mínimo o dobro, de tudo o que o local oferece. Faltam materiais, salas suficientes entre muitas outras coisas.
Todos nós sabemos das condições ruins da Saúde Pública, no entanto, em meio a tanta dificuldade em se arrumar um trabalho, a cada vez mais os concursos ficam mais e mais lotados. As concorrências são 200 por vaga, 500, e por aí vai. Mas uma coisa me intriga, e muito. Todos nós que prestamos os tais concursos lemos atentamente cada uma dos itens do edital. E, certamente damos um peso grande em relação à carga horária e ao salário. Quase sempre os salários estão muito aquém do desejado, mesmo assim lá vamos nós. E não somos os únicos. Junto com nossa “massa”, composta da turma de nível superior, vai também uma multidão de pessoas simples com nível médio e ensino fundamental.
Aí começa meu drama.
Desde que entrei neste meu trabalho atual, minha carga horária tem sido vagarosamente reduzida, e por mim mesma. No início cansei de entrar lá às 7:00 e sair às 18:00, às vezes até mais tarde. Chegava em casa acabada. E fazia isso 3 vezes na semana. Ou seja, já reduzi, no mínimo, um período do meu trabalho. Mas por quê?
Aos poucos fui vendo que, minhas colegas, que entraram na mesma seleção que eu, já não faziam os 6 períodos. E, assim fui me sentindo desestimulada, até mesmo enganada. Por que tanta diferença entre uma mesma classe?
O pior ainda está por vir.
Tudo bem, reduzi minha carga horária, estou quase igual à maioria das minhas colegas, mais agora outro ponto me preocupa.
Eu trabalho dentro de um hospital, certo?
Para ele funcionar é preciso um batalhão de trabalhadores: porteiro, atendentes, auxiliares, e muito mais.
Eu estou fazendo a minha parte, mas toda vez que chego, às 7:00 da manhã, o porteiro já está lá, e as atendentes também. Quando saio, perto de 16:00 horas eles continuam. Todo dia que passo por lá, seja a hora que for, sempre há um desses soldados anônimos no seu posto fiel. Para eles não há mordomia, não há redução de carga horária, não há vantagens.
São essas pessoas que fazem parte um mundo à parte. Recebem bem menos que nós, não têm acesso a toda a cultura que nós temos, e são eles, que quando precisam de algum atendimento, saem de madrugada, debaixo de chuva, frio, e calor e vão lá, nas nossas salas de espera aguardar pacientemente por nossos cuidados. São verdadeiros heróis.
Continuo insatisfeita com meu salário e também com as condições de trabalho, porém, nada justifica as condições de trabalho de todos os trabalhadores, principalmente os mais necessitados.
Outro ponto: o outro mundo, o real, o cruel existe e está bem mais próximo.
Desde que vim para Recife fiquei muito preocupada com as desigualdades sociais. Aqui você sai do shopping e está na favela. Ao lado do luxo, literalmente está o lixo. No entanto, eu vivo em um desses mundos, e felizmente não é o menos favorecido. Quero deixar claro que tanto em Campinas e em Guariba também há tais desigualdades, porém menos cruéis, ou menos próximas.
Nessa semana fiz minha mudança de endereço. Agora estamos morando em um apartamento bem maior (casa dos herdeiros/as), e tudo isso só foi possível com intensa ajuda de minha fiel escudeira Maria, sua filha Adriana e a ajudante de minha sogra Quitéria. Principalmente pelo fato da gravidez eu pude fazer quase nada, a não ser dar palpites e solicitar coisas, e elas prontamente ajudaram em cada detalhe. E hoje, apenas 3 dias após a grande mudança a casa até parece já estar habitada há tempos. Todos esses dias todas elas chegaram cedo, trabalharam exaustivamente. Ao final da quinta-feira havia várias coisas para elas levarem embora e meu marido foi levá-las em casa. Pela primeira vez, Popa, meu marido, foi à casa de Maria (que ele conhece desde o ventre materno), e voltou chocado como é longe.
Aí caiu um remorso gigantesco, por várias vezes ficar “chateadinha” porque a coitada, depois de pegar sei lá quantos ônibus, chega em casa perto de 9:00.
Outro fato é que, nos lugares que freqüento, fico impressionada com a quantidade de carrões que circulam. Fusca é algo raro. Gol geração I, uno, e tantos outros aparecem 1 para cada 6 corollas, tucsons, e por aí vai. Mas assim que chegou, Popa foi logo dizendo, que lá no bairro das minhas escudeiras, a situação é inversa.
Nem sei onde quero chegar com tudo isso, quero mesmo é desabafar. Quero poder deixar tudo isso para meus bebês que ainda estão na barriga e poder fazer que eles pensem que, assim como eu e você, podemos ser agentes de mudança. Procurando cumprir nosso papel de forma justa. Pagar corretamente, e no dia, esses soldados anônimos que contribuem o tempo todo para que nosso castelo esteja sempre a postos.
Para Maria, Adriana e Quitéria, meu muito obrigado, e minhas sinceras desculpas por tanta injustiça social.
P.S.: Blog da Ana:
http://anacristinaviana.blogspot.com/